domingo, 25 de maio de 2014

Imponentes como cavalos cavalgando


Ela passou quase o dia inteiro dentro do quarto, pintando e desfazendo quadros em seu próprio interior. Mas no início da noite, depois das horas precisas nos quadros e monólogos desfeitos, espreguiçou-se no chão, na penumbra do quarto com as portas e janelas fechadas, e inclinou a cabeça em direção à fresta da porta. Ao ter aquele opaco jato de luz refletido em seus olhos, pensou no quanto a vida podia estar diferente lá fora.

Sentiu tanta vontade de se levantar! Mas o desânimo que sutilmente havia se acumulado em seu ser era um peso quase invencível em seu corpo. Persistia em mover os braços, as pernas, as costas, os pés, mas era vencida em cada batalha. E as horas passavam alheias, imponentes como elegantes cavalos cavalgando numa estrada que parece sem fim.

Demais fragilizada, ela previu e repetia para si mesma que a sua reação tinha que ser num ímpeto. E foi assim. Surpreendendo a si mesma, ela moveu as pernas, moveu as mãos, desprendeu as suas costas do chão, sentou-se e encarou a luz agora mais opaca. Encarou a luz da fresta que se apagava e, novamente num ímpeto, levantou-se. Logo em seguida arrancou a roupa de dormir, usada desde a noite anterior, abriu as cortinas do quarto, viu que era mais de seis horas da tarde, e por um instante, sentiu muita vontade de sair dali.

Ao se encaminhar em direção a porta do quarto, viu a sua nudez estampada no imenso espelho da parede, e no corpo as marcas das dobras do lençol. E viu mais. Viu além. E aquela imagem em muito a incomodou. Ela não mais sabia exatamente quem era aquela.