"[...] a mala se esvaziando, a mala se esvaziando, veementemente se esvaziando, sem nem mesmo alguma peça de roupa ter sido, pelo menos, dobrada e guardada dentro dela. A mala ainda vazia, completamente vazia, e já se esvaziando, se esvaziando, o fundo, o fundo da mala tão escuro de tamanha profundidade, e totalmente escancarado para o nada. Nada ali dentro da mala que seria tão pequena para o tanto a ser transportado, e o denso cheiro de vazio dentro da sua imensidão."
terça-feira, 30 de abril de 2013
Espelhos
Com a bagagem em suas mãos, ele fechou a porta da casa e foi em direção ao carro, decidido a não olhar para trás. Não queria desistir de ir embora e nunca mais retornar.
Ao abrir o bagageiro, deparou-se com a antiga mala herdada da mãe: a bagagem preparada na semana anterior, quando ele partiria sem olhar para trás, para não se ver abandonando a casa vazia. Entretanto, olhou pelo retrovisor e viu aquela imagem que lá ficaria. Não resistiu.
Na semana seguinte, ele desistiu de bagagem. E na estrada lamentou o jardim de cores que se perdem com o tempo.
terça-feira, 23 de abril de 2013
Fio de palavras
sábado, 13 de abril de 2013
O cheiro de alecrim: como se fosse pássaro
Ela não disse nada. Com o jarro em suas mãos, ela permaneceu diante da mesa coberta por uma imensa toalha amarela, um amarelo bem claro, quase tão empalidecido quanto o seu rosto naquele instante de inesperado recuo no tempo. A longa toalha sobre a mesa e nada mais, aparentemente nada mais.
Os pratos brancos e os talheres ocupavam os devidos lugares ao redor da mesa: o cheiro de alecrim exalava do lombo farto e dourado, assado e rodeado por largas rodelas de batata igualmente douradas e frutas caramelizadas. Era aquele o prato que ocupava o centro da mesa, numa longa travessa de vidro transparente, independente de dia de comemoração, dia qualquer, mas quase sempre num domingo. Uma fatia, duas fatias, todas as fatias do lombo suculento e recheado com qualquer detalhe que o diferenciasse do anterior.
Ela permaneceu sem dizer nada. O lombo cuidadosamente servido, um a um de todos ao redor da mesa, e todos degustavam com um prazer nítido: o sabor crocante deslizava sobre o paladar e o movimento dos talheres se tornara inesquecível com o seu som melódico. Ela não disse nada. Pouco a pouco, a mesa começou a se esvaziar, a melodia a se distanciar, e ela, então, pousou o jarro sobre a mesa, no centro, bem no centro, enquanto, densamente, sentia o cheiro de alecrim que havia pousado na sala, como se fosse pássaro.
terça-feira, 9 de abril de 2013
Até que avistou outro jardim
Percorreu a estrada inteira repetindo a canção que ouvira minutos antes
quando as palavras surgiram demasiadamente cortantes.
Lançou as palavras sobre o jardim
espalhou-as na praça
sobre as flores murchas e coloridas
Um colorido amarelado que
para alguns, enfeitavam o jardim
para outros, nem jardim existia naquele lugar.
Percorreu a estrada inteira repetindo aquela canção
Na boca, o gosto das palavras cortantes
embora estivessem lá no jardim, escorregando sobre as flores
Na língua, o gosto travado de nódoa
embora já estivesse lá no fim da estrada.
Percorreu a estrada inteira repetindo aquela canção
até que avistou outro jardim.
Assinar:
Postagens (Atom)